terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quinze

- Já está acordada Mãe?
- Eu não dormi essa noite, filho. Fiquei apenas te observando e pensando nos anos que desperdiçamos por tudo isso que aconteceu - já não dava pra disfarçar as olheiras de minha Mãe. Notava-se uma pequena dose de nostalgia em seus olhos e ela também não conseguia se mostrar muito feliz. Ficou algum tempo me olhando espreguiçar e levantar:
- Mãe... Eu preciso voltar pra casa. Papai já deve estar dando por minha falta e eu não deixei muito explicito na redação que eu viria pra cá! - depois de uma breve pausa, notei que seria necessário me apressar - Já não sei mais como vou encarar o Papai e nem sei se devo dizer que estive aqui com você e que já sei tudo, ou quase tudo.
Ela permaneceu em silêncio, levantou-se da cama e foi até o frigobar do quarto. Em cima dele havia um bule roxo de café. Ela serviu duas xícaras e me trouxe uma delas dizendo:
- Andei pensando muito essa noite e já sei a solução sobre o que fazer com as nossas terras. - Sem muito espanto eu esperei que ela terminasse seu gole de café e que continuasse dizendo - Você ira depor contra seu pai e eu simplesmente irei transferi-las para seu nome!
Foi ai que meu sobressalto resolveu aparecer. O que eu iria fazer com todos aqueles hectares se eu mal conseguia administrar meu apartamento? Entendo que eu me encontrava em choque por descobrir tantas coisas em uma só noite, mas minha mãe já estava extrapolando...
- Desculpa Mãe, mas eu não tenho interesse nisso. Eu nunca gostei de fazenda, você mesma sabe disso!
- Você não entendeu filho. Com as terras no seu nome seu pai poderá permanecer morando nelas sem atrapalhar minha vida. Além disso, elas são muito valiosas e seria bom que você tivesse uma garantia financeira pro seu futuro. Futuramente você pode vendê-las e quem sabe você não queria abrir seu próprio jornal ou alguma coisa que o valha!
- Mãe, por que você ainda faz tudo isso por ele?
Ao escutar isso sua xícara de café caiu sobre sua camisola queimando sua barriga. As lágrimas de dor se misturaram com as de evidente paixão que ainda restavam pelo Papai. Corri para junto dela para que eu a ajudasse. Era óbvio que eu não devia ter perguntado isso. Busquei uma toalha no banheiro ajudei com que ela se limpasse. Ela foi se trocar e eu resolvi dar uma volta pela cidade para comer alguma coisa e esfriar a cabeça. Meu raciocínio não é muito bom pela manhã e eu precisava dar uma aliviada para pensar muito nesse assunto.
[...]
Logo na saída do hotel me lembrei de que meu carro estava estacionado longe dali e resolvi ir a pé mesmo ao supermercado que fica no logo no outro quarteirão. Eram oito da manhã e o sol quente já castigava toda a cidade. Dirigi-me até a seção da confeitaria e pedi dois pudins. Minha mãe sempre comprava nos sábados de manhã, era um velho hábito que ela tinha antes de ir até a igreja. No caminho até o caixa me deparei com uma figura inesperada:
- Maurício? - ao ouvir minha voz ele colocou num súbito o macarrão que segurava de volta da prateleira.
- Ah, é você... - disse ele com certo desinteresse - ...Como anda meu escritório? Confortável?
- Você só pode estar de brincadeira! O que faz você pensar que eu gosto de estar lá? Eu sou a única pessoa que te apoiaria num momento desses. Eu reconheço bem o que você fez por mim na redação! E o que você faz? Foge com o rabo entre as pernas! E quanto a Luciana?
- Me desculpe por te julgar errado... Como ela está? Eu não queria ter feito aquilo! Mas eu não poderia voltar para a redação... Ei! A Luiza tá fazendo estágio no mesmo jornal que eu!
- Pelo visto não é nem legal a gente continuar essa convera! Cara eu sinto sua falta, a Luciana está quase curada. Não deixe de visitá-la, seja homem!
Maurício me olhou apreensivo e me abraçou. Ele saiu de lá sem se despedir e continuou suas compras. Eu também evitei algum papo furado ou algo me fizesse lembra de Luiza, minha noite já tinha sido complexa demais para algo assim. Na fila do caixa eu peguei mais uns daqueles chocolates de mostruário e me dirigi até o hotel.
[...]
Não quis me despedir de minha Mãe. Pedi para que a camareira entregasse o pudim pra ela junto com um bilhete de despedida que fiz nas costas de um dos cartões de visita do hotel. Abasteci no posto mais próximo e fui para a estrada. O mesmo longo caminho me aguardava. Dessa vez coloquei um disco do Crosby, Stills, Nash and Young, era a banda favorita de minha mãe e minha cabeça realmente pedia por mais lembranças. Depois de uma hora de viagem me aproximei do Posto do Shelton. Me lembrei do quão repugnante era aquele lugar e não resolvi parar. Mais uma vez, tive pena daquela moça chamada Tânia e de tudo aquilo que tinha que agüentar por lá. De repente vejo um corpo de uma mulher estirado no acostamento uns cinqüenta metros depois do posto. Era Tânia! E parecia que ela havia sido atropelada, pois ela estava imersa em uma enorme poça de sangue. Parei o carro e corri até próximo dela.

domingo, 14 de novembro de 2010

Catorze

Décimo quarto andar. Minha mãe sempre quis se hospedar no terraço do hotel, mas como ela nunca dispôe da sorte e a vacância nunca ocorre ela é obrigada a se contentar com o penúltimo andar. O elevador do edifício era muito antigo e pela lentidão nota-se que deve ser de uma liga de metal muito densa e pesada, o que inviabilizava cada vez mais minha ansiedade que já me corroia. Uma súbita sensação de frio na barriga era cada vez mais intensa e eu não tirava da cabeça a idéia de que algo muito bom ocorreria no nosso reencontro. Ao chegar no nono andar um casal entra por engano no elevador. Me perguntam se o mesmo está decendo e eu respondo que não. Os dois se retiram aos beijos e tropeços pois parecia que estavam muito bebados. Logo me passou pela cabeça qual seria a reação que a Luiza teria ao saber que eu iria reencontrar minha mãe. Mas acompanhada dessa ideia veio também a realidade que me dizia que ela jamais conheceria minha mãe. Assim que a sineta indicou a chegada do elevador meu estomago deu um nó, minhas pernas tremiam e eu já começava a ficar com a respiração ofegante. A porta do quarto dela se encontrava entreaberta e tudo indicava que ela assim a deixara para que eu pudessse entrar sem bater. Para evitar o constragimento dei uma leve batidinha:
- Mãe?
A porta se abriu e ela veio de encontro a mim me abraçando. Não deu nem tempo de tentar evitar, minhas lágrimas que já desciam sobre meu rosto incessantemente, assim como as dela. Ficamos abraçados por mais ou menos uns cincos minutos. Aquilo trouxe pra mim um dos melhores sentimentos de minha vida. Todo o amor que ela me passava naquele momento, supria toda a ausência materna que eu senti durante esse tempo longe dela. Foi algo mágico.
- Filho, você já é um homem agora! - ao dizer isso ela fez uma breve pausa e me fitou perguntando - Como soube da minha estadia aqui no país?
- O Papai me disse...
Antes de terminar a frase ela já me soltara do abraço e o condenava.
- O Tadeu não aprende mesmo. No mínimo ele está hospedado na nossa casa também né? Ele nunca se dá ao luxo de se hospedar em um hotel. Não percebe que pode ser um incomodo...
- Ele está no meu apartamento. Pra mim não tem sido um incomodo, a gente mal se fala...
- Você já tem um apartamento! - ela estava incrívelmente empolgada e ao mesmo tempo expressava um leve ar de dúvida - Seu pai me disse que você morava na nossa casa com uma garota que você conheceu no colégio. De onde você está tirando dinheiro para bancar isso?
- Mãe, agora começa a fazer sentido. O pilantra do Papai omitiu tudo, tanto de mim, quanto de você. Você não deve nem fazer idéia de que me formei e que mês passado eu assumi a edição da Postagem Diária né?
Os olhos delas brilhavam e por ele escorriam uma torrente de lágrimas. Eu sempre soube que esse era o jornal favorito da Mamãe e que seria espetácular para ela se soubesse que eu estivesse na redação e quem diria agora, a edição.
- Me diga mãe, o que o Papai falava sobre mim para você? Me diga tudo para que eu possa me orientar. Há oito anos que eu não sei o que é viver em família. Preciso entender o que realmente aconteceu!
- Eu também não tive muito diálogo com seu pai. - Ela fez uma pausa longa, me entreolhou e continuou - Seu pai me dizia que você vivia sempre bebado e que saia com uma mulher mais ou menos da minha idade. Disse também que largou a escola no último ano e que não se interessava por nada e nem por mim...
- Filho da mãe. Ele me dizia que você não ligava para mim e que havia tentado matar a Cecília. Alias eu nunca entendi porque a Cecília palpitava tanto na nossa vida, ela...
- Eu os peguei juntos naquele ano! - minha mãe me abraçou de novo. E dessa vez não iria parar de chorar tão rápido. Cecília era a melhor amiga de minha mãe. Como é que eu nunca desconfiei disso? Meu pai é um bastardo que quase destruiu as nossas vidas! E eu também não passo de um garoto mimado que sempre deixa o ceticismo de lado e me conformo com tudo. Alias é só isso que eu tenho feito, me conformar.
- Eu não fazia nem ideia disso mãe, me desculpe se eu nunca me importei. Meu pai fez uma lavagem cerebral em mim e eu só me preocupava com a faculdade...
- Você fez certo filho, investiu em você. Não fez que nem seu pai que largou tudo para ficar aprodecendo junto com aquela fazenda...
- A fazenda! Porque é que vocês nunca se separaram? A fazenda seria sua por direito e...
- Eu não quero aquelas terras! O coração do Tadeu estão nelas, eu só entrei com o capital. Se nos separarmos as chances de seu pai ficarem com elas são mínimas. E sem elas ele não seria nada. Por mais que tudo isso tenha acontecido eu não lhe desejo mal - ela chorava muito e agora já se encontrava aos prantos.
Não me restava dúvidas. Minha mãe ainda o amava. Continuamos conversando por horas e a cada momento eu ia descobrindo o crapula que meu pai realmente era e o anjo de mãe que eu tinha e não valorizava. Decidi dormir por ali e partir assim que amanhacesse. Não me importei de dormir na poltrona do living. Diversas dúvidas e anseios pipocaram por toda noite em minha cabeça. Já não sabia o que eu faria quando eu encontrasse o Papai. O velho Tadeu conseguiu fazer uma reviravolta na minha vida!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Treze

Sete anos de minha vida destruídos por três e-mails. Todo um conceito gerado em torno de minha mãe foi destruído e toda a minha suspeita sobre meu pai havia sido confirmada. Não bastasse meu pai ter se ausentado em minha formatura! Minha mãe sequer sabia que ela um dia aconteceu. Ela ainda acha que eu sou aquele adolescentezinho desalmado que só queria saber de beber e de matar aulas. Não que a situação tenha mudado tanto, mas eu já tenho meu emprego, meu próprio apartamento e poxa, minha própria vida. Não dependo mais do dinheiro desviado da receita que aquela fazenda maldita gerava. Fazenda da qual meu pai tenta tomar posse nos mesmos sete anos por essa justiça lenta e incompetente desse país. Só não consigo entender porque minha mãe preferiu deixar ele morando por lá enquanto ela mesma se exilou na Europa. Já estou dirigindo há três horas e a noite já começava a cair. Já eram sete horas da noite mas o nosso estranho horário de verão só permitia que o anoitecer caísse agora. Meu medo de que algum problema mecânico pudesse acontecer com o carro já fora dispensado. Eu sempre falava para a Luiza. Tenha um mecânico de confiância. Aqui estou eu, são e salvo e só pretendo parar assim que avistar a cidade.
[...]
Uma pausa naquele restaurante seria crucial. Faltavam apenas uns 120km para que eu chegasse na capital e eu só estava me sustentando pelo marmitex que eu almocei ainda na firma. Por mais que eu odiasse a idéia de ter que digerir aquela comida ruim e cara me dirigi até a instalação. O posto de gasolina do Shelton não passava de uma currutela. O combustível provavelmente deve ser adulterado e como meu tanque ainda está cheio resolvi nem arriscar um novo abastecimento. Na garagem ao lado do posto de conveniência havia uns cinco caminhões de aspectos deploráveis. Dá pra entender que o excesso de carga daqueles caminhões com certeza deixavam as já descuidas rodovias com um aspecto ainda pior. Na porta do estabelecimento se encontrava uma jovem moça que ficava no caixa. Seu aspecto era quase febril. Parecia que nada de interessante ocorria na vida dela e daquele pessoal que por ali habitava. No interior se notava uma meia duzia de mesas com pelo menos metade já ocupadas. Havia umas sete pessoas espalhadas pelo lugar, todas extremamente silenciosas e visivelmente aborrecidas. O cheiro gorduroso da cozinha exalava pelo ar. Preferi me dirigir ao balcão e por ali mesmo fiquei:
- Já sabe o que vai querer?
- Gostaria de batatas fritas e um pouco de arroz com bife. Vocês tem café expresso?
- Temos sim, vai tomando enquanto eu faço seu pedido ali na cozinha... - dizia a moça desviando o olhar.
- ...algum problema se eu souber seu nome?
- Não. É Tânia. Olha vou buscar seu espresso.
A moça me parecia muito assustada e saiu apressada para os fundos. Costumo gostar de saber o nome das pessoas pois geralmente me sinto mais confortável ao conversar com elas. Nesse caso eu vi que não funcionaria e achei melhor nem continuar o papo. A televisão do balcão já exibia a novela das oito e pelo que tudo indicava ninguém nunca assistia aquilo. Tânia me trouxe o café e voltou sem exitar para o caixa. Depois de uns minutos chegava a minha comida e eu insatisfeito me alimentei com aquela comida mal preparada de beira de rodovia. Na saída pedi outro espresso e tive pressa ao pagar. Aquele lugar já estava me dando náuseas. Não conseguia entender porque estava tudo tão calado naquele recinto. Tratei de ir para o carro e me despontar de volta para meu percusso. Faltava pouco mais de uma hora. O trânsito noturno era bem trânquilo, alias, durante todo o tempo não presenciei muita dificuldade no trajeto. Mesmo depois de tanto tempo sem dirigir em alta velocidade ainda conseguia manter tudo sob controle. Coloquei um CD do Nick Cave pra tocar e nem notei que a viagem se encerraria tao rápido. Logo eu já avistava as luzes dos edifícios da metrópole. Era tudo tão imenso e diversificado. Eu sentia até uma vazio por morar em uma cidade tão pequena e pacata. Eram quartenta minutos até o centro da cidade. Minha mãe sempre se hospedava no Hotel Mia Penenberg. Um luxuoso quatro estrelas que tinha uma vista panorâmica sensacional sobre toda a capital. Não seria diferente dessa vez, eu deduzia. O trânsito dali era extremamente mais efusivo e diferente. Não havia sequer local para estacionar nas proximidades do hotel. Tive que me deslocar para um estacionamento a três quadras dali. A cidade estava incrívelmente movimentada naquela fresca noite de sabado. Ao avistar o hotel me recordei de momentos da minha infância onde eu me divertia escorregando pela escadaria do hotel. Minha mãe sempre me repreendia, mas meu pai sempre me apoiava e dava risadas. Logo percebo que meu pai sempre me ganhou com as risadas e seu suposto jeito despreocupado de levar a vida, enquanto a seriedade de minha mãe era deixada de lado. Amargo arrependimento. Na entrada do hotel não se notava muita novidade desde aquela época. Os mesmos estofados de couro figuravam ali na recepção. Acompanhados de vasos chilenos e de pinturas surrealistas nas paredes. Lembro de tudo como se fosse ontem.
- Em que posso serví-lo senhor? Você já possui reserva em algum de nossos quartos? - disse me o jovem recepcionista com uma voz meio rouca e desgastada.
- Estou a procura de Cíntia Velasco.
- Deixe me verificar... Ela está hospedada aqui a apenas quatro dias. Está no quarto 807. Sobre quem devo informá-la sobre a visita?
- Sou filho dela.
Não demorou para que ela atendesse ao seu chamado, o recepcionista confirmou com a cabeça e se despediu.
- Pode subir, o elevador será liberado.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Doze

Minha vontade de reencontrar minha mãe estava deixando qualquer detalhe relevante para mim em segundo plano. Não saberia quando é que eu poderia ir para a capital, afinal, desde que eu assumi a redação não tive mais tempo pra nada. Mesmo com algumas horas extras acumuladas não seria sensato de minha parte me ausentar da firma para reencontrá-la e pra piorar meu chefe já anda meio abalado devido ao coma de Luciana. Realmente só me restava esperar um pouco mais, além disso eu realmente não estou adaptado com essa nova rotina, não posso mais adiar minha reorganização. Pra piorar tenho em minha consciência que esse encontro será incrívelmente forçado.
Meu pai e eu agiamos como colegas de cela. Mal nos falavamos e quando isso acontecia ele só queria me falar coisas sobre futebol e sobre a fazenda. Eu tenho aversão por qualquer tipo de fazendas, sítios e afins. Sei que isso é estranho pois passei grande parte da minha infância na Fazenda Velasco. Meu pai era apaixonado por aquele lugar e ele não podia estar errado agindo dessa maneira. O local é estremamente aconchegante, tem uma criação de gado estupenda, sem contar seus vastos campos. Para muitos seria o melhor refúgio da realidade. Só mesmo esse processo jurídico para poder tirar meu velho de lá. A única coisa que me agrada nisso tudo é que meu apartamento não tem mais aquele aspecto desertico deixado após a partida de Luiza. Pois por mais que não nos falassemos tanto aquela sensação de vazio logo era cessada com sua presença por ali.
[...]
Naquele manhã de sabado não havia muita coisa para se fazer na redação. Já havia editado dois artigos para a edição de domingo e parecia que nada mais de extraordinário aconteceria por ali. O pessoal estava me chamando para um churrasco na casa da Priscila mas eu neguei furtivamente e decidi passar o resto da tarde por ali organizando a sala de Maurício que agora seria meu novo escritório. As minhas caixas já estavam ali há duas semanas e eu nem havia pensado em como organizaria tudo. Depois de algumas horas me restavam apenas duas caixas das sete que eu estava organizando. Meus livros de gramática e meus arquivos mortos com edições anteriores do jornal já estavam todo em suas devidas estantes. Meu velho HP Compaq já estava acomodado em minha mesa que por sinal agora é bem mais espaçosa. Ainda não me adaptei bem com esse lance de notebook, mas não pretendo trocar minhas anotações manuais por isso tão cedo. Me lembro que eu usava ele apenas como tocador de cds e que de vez em quando entrava no mIRC. Na última caixeta só restaram um calendário, uma caixa de clips e a fonte do notebook. Pela primeira vez tive vontade de ligar o PC. Havia seis meses que a redação havia instalado a rede wireless e e eu ainda não tinha testado esse novo recurso. Alias só me lembro de usar isso uma vez na vida em um hotel de Goiânia. Ao ligar, me deparo com uma foto minha e da Luiza na área de trabalho. Foi nesse instante que um sentimento que eu já achava que não existia mais retornou. Senti minhas pernas bambas por uns instantes. Algo que eu só sentia quando eu me reencontrava com ela após nossas primeiras brigas. Dessa vez porém era diferente: não era tão intenso como antes e as possibilidades de uma reconciliação já nem existiam mais. Pra me livrar daquela imagem rapidamente resolvi abrir o navegador e o sistema já me informava a detecção da rede sem fio. Resolvi checar meus e-mails, algo que eu realmente não fazia a muito tempo. Era incrível a velocidade com que o site da BOL carregava com aquela nova conexão da redação. Para minha surpresa haviam oitenta e três e-mails não lidos. A maioria era spam e propragandas de cosméticos, mas os três últimos realmente me instigaram muito. Nem imagino de que maneira minha mãe conseguiu meu endereço de e-mail, mas o título daqueles e-mails realmente me deixaram com náuseas: "Preciso falar com você, filho"; "Urgente, estou indo para o Brasil" e "Seu pai quer um novo processo, kd vc?". Não me passava pela minha cabeça que minha mãe ainda se importava comigo! Em cada mensagem havia mais e mais perguntas sobre meu paradeiro. Me parece que o filho da mae do meu pai omitiu toda a minha vida para ela! E isso vem ocorrendo desde que eu ingressei na faculdade. Se eu soubesse antes o quão cretino meu pai era eu poderia ter evitado toda essa história. Depois de ler os e-mails minha vontade de reencontrá-la estava cada vez maior e eu realmente precisaria me ausentar da redação. Bem, não exitei. Fiz um bilhete informando minha partida e deixei sobre a mesa do chefe. Seriam oito horas de viagem se eu partisse agora. Abasteci o tanque no posto mais próximo da saída da cidade para que eu não perdesse muito tempo. Minha previsão de chegada era para às onze horas da noite. Seria a primeira vez que eu pegaria a estrada depois de quase sete anos.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Onze

Era uma situação meio conturbada, mas logo todos os redatores já estavam familiarizados comigo. Meu trabalho estava redobrado, mas eu nem precisava me preocupar tanto com meus artigos. Luciana ainda estava em coma mas seu estado já era bem melhor. Mauricio realmente deixara a cidade e com muita facilidade conseguiu entrar para outro jornal local. As coisas iam se arrastando bem, cada vez mais Luiza se distanciava de ser uma presença e se tornara cada vez mais uma lembrança apagada. Ainda não tive tempo de ir ao Café do Paulo e nem de ir caminhar, mas mesmo assim não conseguia me esquecer da situação que se passou com a Camila. Eu sentia que algo de grande potencial poderia surgir dali.
Fim de expediente sem nenhum constragimento. Dirigiria até meu apartamento pensando em comprar um novo carro, já que minha promoção me possibilatava novos investimentos. Eis que para minha surpresa um velho carro habitava a vaga ao lado da minha da garagem do prédio. Aquilo me era muito familiar e uma terrível sensação passou pela minha cabeça. Logo na recepção me deparei com a Cláudia e pela primeira vez senti que ela começava a me agourar, pois toda vez que algo ruim acontecia ela estava por perto...
- Não me diga que é o que estou pensando? Seria muita cara de pau!
Cláudia apenas me fitou com um olhar que afirmava minha pergunta. Parecia que dessa vez ela não queria se envolver na história. Subi as escadas e me dirigi até meu apartamento. A porta já estava destrancada, meu televisor já está ligado no noticiário esportivo e algum ruído vinha de meu quarto.
- O que faz aqui Pai?
- Filho! - disse ele em um tom assobrado deixado minhas correspondências cairem.
- O que você pensa que está fazendo?
- Só queria ter certeza que você estava recebendo minhas cartas. Pois já são meses que te escrevo e não recebo respostas. Falando nisso parabéns pela sua promoção, seu sonho está se tornando cada vez mais...
- Pai, o que você realmente faz aqui? -já estava ficando exaltado.
- Filho, eu... sua mãe está de volta ao país.
Meus olhos não acreditavam no que eu acabava de escutar, minhas lágrimas anestesiavam minha euforia ao tentar entender essa notícia. Não sabia se isso era uma coisa boa ou ruim, mas a saudade que eu sentia dela era maior do que qualquer elemento do passado. Meu interior dava pulos de alegria, mas a coisa parecia ser bem diferente com meu pai.
- Ela está hospedada na capital desde quinta e parece que ela não veio para um reconciliação.
- Preciso ir vê-la o quanto antes...
- ...ela não disse que quer te ver. - disse ele me interrompendo. - Ela veio apenas resolver aquelas velhas questões jurídicas. O processo só conseguiu ser aberto agora.
- Como assim ela não quer me ver? Eu preciso vê-la, não é possível que ela não se lembra que tem um filho?
- A questão é que ela se lembrou que já teve um marido.
Meu pai disse isso e se dirigiu ao quartinho de despensa. Ele já tomou a liberdade de se acomodar assim que chegou. Minha cabeça explodia por saber que eu poderia vê-la depois desse tempo todo, mas as notícias que meu pai traziam não eram nem um pouco animadoras.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Dez

E pela primeira vez na redação algo novo aconteceu para intrigar a todos. Minha promoção finalmente aconteceu, mas para surpresa de todos eu fui promovido e também substitui o editor Maurício Borges. Isso seria um baque porque ele era querido por todos do prédio e uma situação assim me deixaria bastante constragido e outra que algumas pessoas passariam a me odiar. Sem entender bem a situação me dirigi até o sala do chefe. Havia um longo corredor até o caminho da sala dele, alguns quadros de Rafael Sanzio e aquela velha maquina de café ficavam logo na porta do seu escritório. Algo muito errado estava acontecendo, a porta estava entreaberta e havia uns sussurros saindo de lá.
- Quem está ai? - disse ele aflito.
- Sou eu chefe, está tudo ok? - disse já entrando pela porta, ele estava escorado na parede perto de uma moldura com a foto de sua filha.
- Luciana está em coma e não sei como o Maurício conseguiu sair ileso do acidente! - disse ele em prantos. Sua camiseta estava toda molhada e seus ralos cabelos desarrumados. Nunca tinha o visto em tanto sofrimento. Logo ele que sempre foi bem humorado e sempre tratou Maurício como um filho.
- Ele já vinha dando em cima dela há semanas. Anteontem eles voltaram de uma festa e ele estava bebado. Pra variar ele bateu o carro! Não sei mais o que acontece com vocês jovens!
Fiquei em estado de choque imaginando tudo. Sai da sala e um estranho peso bateu na minha consciência. E se a Luiza estivesse comigo naquele dia? Seria diferente? O acidente poderia ter sido pior?
(...)
Não consegui ir caminhar na manhã seguinte. Minha cabeça estava explodindo. Rumores diziam que Maurício sairia da cidade por medo de responder a um processo. E que a situação de Luciana estava muito grave. Estranho como essa história toda se assemelha a nossa... Resolvi passar no Café do Paulo para espairecer. O lugar era bastante aconchegante, principalmente em manhãs frias como essas. Me sentei perto do vitral como já era de costume. Paulo trouxe meu espresso sem eu dizer nada. Ele já está habituado com minhas visitas inusitadas e já sabia que algo ocorrera comigo.
- É a Luiza?
- Não dessa vez Paulo, não mesmo.
- Como está o café?
- Excelente como sempre!
- Fico feliz em ouvir em ouvir isso garoto. Agora mantenha sua cabeça no lugar, independente do que for, não haja como das outras vezes.
Eu olhei para ele confirmando com a cabeça. Ele era uma pessoa muito amável, mas sabia ser rígido na medida certa da necessidade... Eis que de repente uma pessoa inusitada entra no Café do Paulo. Era a moça do parque e ela parecia realmente muito feliz. Ela se dirigiu ao balcão e pediu algo o Paulo. Me concentrava em fazer origamis com o guardanapo da mesa, até que ela se aproximou e perguntou se poderia se juntar a mim. Eu concordei e de maneria bastante peculiar começamos um pequeno assunto:
- Por que Chá de Camomila? O café daqui é realmente muito bom pra ser trocado por um simples cházinho...
- Já tomou desse chá? - disse ela confiante.
- Bem... não.
- Experimente - disse ela empurrando o pires para perto de mim.
E um gole foi o bastante para que eu percebesse que ela realmente estava certa.
- Muito bom hein? Ouvi dizer que isso desestressa...
- Me poupe... Como você mesmo disse, não vai ser um "cházinho" que irá mudar tudo. Você é o único responsável pelos seus humores e ações diarios. - Era impressionante a firmeza que ela passava ao dizer essas palavras. - Sempre quis saber fazer esses origamis...
- Ei, não sei seu nome.
- Camila... e a propósito estou atrasada!
Nem consegui acompanhar a velocidade em que ela pagou o chá e saiu do estalecimento. Mas algo realmente fez com que eu me esquecesse da situação toda que estava acontecendo e me concentrasse apenas na figura de Camila tomando seu chá. Sua voz era linda e ela conseguira despertar uma enorme curiosidade em mim.
- Antes que me pergunte já te aviso... Ela vem aqui todas as terças e sextas. E vai por mim ela é muito especial, não queira tratá-la da mesma maneira que tratou a Luiza...
O Paulo realmente me assusta muito as vezes. Tenho a sensação de que ele consegue ler pensamentos. Mas era hora de ir para a firma e encarar toda a redação. Seria um dia longo. Peguei mais um café expresso e paguei a conta. Eram apenas três quadras para chegar até lá.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Nove

"As coisas como elas deveriam ser". Com essa idéia fixa na cabeça consegui me manter longe de qualquer atitude precipitada que viria a prejudicar ainda mais a situação. Já havia quase um mês que você partira. E por mais incrível que pareça eu me adaptei bem a situação. Confesso que meu sofrimento foi facilmente combatido através do álcool, mas ele não durou o bastante para ser vingado em mais goles. De fato, minhas dúvidas também pipocavam. Eu queria saber de como você estava, como era a capital, como tem vivido agora que já não estava mais comigo e por último e mais importante: será que você já havia encontrado alguém?
[...]
Pelas manhãs a monotonia se repetia. Tomava capuccino com torradas e ia caminhar no parque. No meu CD Player só tocava aquele disco do The Carpenters que você esqueceu na minha estante. Não era meu tipo de música favorito, mas logo se torna...
- Ei! Cuidado! - disse ela ao trombar em mim!
- Nossa! Sinto muito! - eu realmente estava bem distante e não percebia que essa moça estava na pista. Alias todas as manhãs ela se encontrava no parque. Com sua camiseta larga, seu shortinho de lycra e seu tênis de corrida. Ela era incrívelmente linda e nem se importou tanto com aquela situação embaraçosa. Bem, continuei minha tragetória e voltei pra casa. Dentro de instantes eu já havia tomado meu banho e já me dirigia para a firma. O conserto do carro ficou por um preço irrisório. Felizmente minha vida se estabilizara depois da sua partida. Mas eu ainda sinto um enorme vazio. Algo indescritível, ao ponto de se comparar com um ataque esquizofrênico. Sinto que sua ausência não iria me prejudicar tanto... mas até quando?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Oito

Nào gosto de culpar ninguém. Aliás, até gosto. Mas eu não gosto mesmo, é de jogar a culpa em alguém numa tentativa de fugir da raia. A Cláudia não seria boba em não perceber que eu poderia estar mentindo. Então, nada além da verdade. Essa nunca foi uma das minhas principais políticas, mas até então naquele momento foi a que eu resolvi adotar.
- Essa situação já vem se arrastando por meses. Estamos juntos basicamente por uma questão física ou sejá lá o que for. Não existe mais aquele amor que um dia era mais forte do que o sono e do que qualquer outra coisa. Não existe mais aquele calor todo que a ansiedade nos causava. Entende Cláudia?
- Entendo sim filho, um dos motivos para que eu viva sozinha nessa minha idade, é isso. Não que eu recomenda isso para alguém, mas é que essa situação é cada vez mais repetitiva e comum. Mas enfim, você não quer que ela se vá né?
- Não é o fato de ela partir... é o fato de eu não estar com ela! E eu já te disse, não quero atrapalhar mais a vida dela. Ela tem os planos dela e tudo mais.
Um grande silêncio se iniciou a partir dali. Me levantei levei nossas xícaras de café para a copa e me dirigi até a porta.
- Vou para o meu apartamento Cláudia. Muito obrigado mais uma vez pelo seu tempo e ouvidos.
Ela me olhou com aquele olhar materno de sempre. Era fantástica a energia e a segurança que ela conseguia me transmitir. Eram só dois andares de diferença do andar de Claúdia até o meu. Subia por aquelas escadas tentando tirá-la da cabeça. Na minha porta havia muita correspondência, entre elas havia meu cheque da firma e um postal de meu pai. Era tamanha a assiduidade dele em me escrever. Por outro lado meu desinteresse naquilo tudo era totalmente equivalente. Era evidente que ele tentava consertar tudo o que havia feito naquele incidente, mas não serão postais e cartas suficientes que me conformariam. Na minha sala se encontrava o jornal de terça passada com aquelas notícias sujas dos políticos da cidade. Minha TV permanecera ligada desde o dia do acidente, aproveitei para assistir o noticiário local. Peguei algo pra comer na geladeira e me reclinei na poltrona. Ficaria por horas naquela posição. O som da televisão só serviria para quebrar o silêncio, pois meu pensamento se encontrava totalmente preso em você. O telefone tocou e de um súbito salto me dirigi até a mesinha.
- Alô?
- Antes de qualquer coisa, eu te peço para que você não me procure mais. Sairei para a capital às 23 horas e não quero que nada atrapalhe minha viagem...
- Luiza, isso é realmente necessário?
- Já não sei mais se é ou não... - suspirando forte - Mas não podemos continuar dessa maneira. Eu sinto muito...
Essas seriam as últimas palavras que eu ouviria dela antes da viagem. E ela ainda desligou o telefone sem sequer o que eu pensava de tudo. Peguei minha garrafa de vinho, desliguei a TV e me sentei na sacada. Agora sim, seria só eu e as estrelas.

terça-feira, 16 de março de 2010

Sete

Cláudia sempre foi uma ótima síndica, sempre ajudou todos os moradores, até mesmo quando eu colocava música alta ela dava um jeito de conversar com o Miguel para que ele esfriasse a cabeça e que fossemos ouvir músicas juntos. Graças a isso hoje até trocamos discos. Mas o melhor da Cláudia é que ela realmente conseguia me acalmar quando sabia que eu estava com algum problema. Só de olhar nos meus olhos ela já sabia que eu não estava bem e não foi muito diferente dessa vez.
- É a Luiza de novo? - disse fitando-me da recepção do prédio.
- Não dá pra te enganar né? - seguimos por aquela escadaria escura, já fazia meses que o elevador quebrara e pela sua bondade em diminuir o preço do condomínio a verba mal dava para a pintura do prédio.
- Soube do seu acidente, andou se embriagando de novo né?
- Eu estava com sono, eu dirigiria bem até morto, mas era realmente sono...
- ... mas me conte da Luiza, isso é o que realmente importa e isso é o que vem causando todos os seus maiores problemas. - ela me dizia isso numa íncrivel tranquilidade, sua testa frizava mas não por preocupação e sim pela sua idade elevada, seus cabelos grisalhos nunca tingidos mostravam a maturidade de sua segurança, ela realmente sabia me confortar.
- Bem Cláudia, ela vai se mudar pra capital. - dei uma pausa e respirei - A transferência dela finalmente saiu... Alias sempre saiu, só que agora tem estágio e vai dar pra ela se sustentar por lá... Céus, eu já não sei mais o que eu faço, se ela for eu não sei o que eu estarei fazendo mais por aqui! E eu não quero ir com ela, já atrasei demais essa faculdade dela!
- Calma, não se afobe! - ela entrou no seu apartamento e já foi entrando para a cozinha, era de costume nessas situações ela preparar um café, pois as nossas conversas sempre duravam muito.
- Não dá pra ficar calmo! - gritei, ela me olhou me repreendendo e eu me desculpei, seria uma conversa longa e não seria interessante que meu tratamento com ela mudasse dessa maneira.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Seis

Você estava aflita, era claramente visível esse seu estado. No meu maior espírito de culpa me mostrava bilhões de vezes mais calmo e seguro do que você.
- Não queira saber o que aconteceu comigo aquela noite...
- ... e não quero mesmo. Quero apenas te dizer que minha transferência saiu mesmo. Com estágio e tudo.
Uma lágrima caiu de seu olho esquerdo e na diferença de alguns milésimos de segundo outra escorreu do seu olho direito. Então parecia mesmo que aquele era nosso fim decretado. E eu ainda consegui estragar praticamente todo o final da história.
- Luiza... e você quer mesmo ir?
Você não respondeu, só deu a partida e saiu por aquela avenida. Ainda consegui ver seus olhos brilhando quando você olhou pra trás.
Eu sempre vi aquele seu curso de Relações Públicas como um grande problema. E não é que no fundo eu sempre estive certo. Minha cabeça voltou a latejar pelo caminho inteiro e eu realmente não sabia mais o que iria fazer quando chegasse em meu apartamento. Vai ser bastante complicado quando você realmente partir.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Cinco

Como eu queria que existissem TVs nos hospitais... E olha que eu me contentária até com um noticiário trágico local que estivesse passando. Já era cedo e eu acordava bem lentamente. Já não sabia se tomava esse café frio que me deixaram aqui juntos com essas rosas brancas ao lado dessa maca. Eu realmente não gosto de flores, me lembram enterro e na minoria das vezes me lembram você. Você e sua doentia mania de preferir flores do que qualquer outro tipo de presente.
O dia amanhecia bastante nublado e sol se mostrava bem tímido para qualquer aparição. Eu nunca estive tão ancioso, eu saberia que você não iria me ver, mas mesmo assim eu sentia que você poderia mudar de idéia.
(...)
Minha alta foi sair às nove e meia da manhã e só agora percebi que tinha acordado bastante cedo. Me dirigia até a recepção quando eu me lembrei que não havia mais carro. Eram treze quarteirões dali até meu apartamento. Pra quem não saia mais sem carro seria uma "aventura" e tanto. Peguei a receita médica, minha jaqueta e sai em direção a galeria. Ao atravessar a rua, percebo um som que não ouvia há mais de um ano. Era você e sua velha lambreta. Fixei meu olhar no seu e você desligou a moto. Meu dia estava prestes a começar.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Quatro

Minha única opção seria de fato passar a noite naquele hospital... Na manhã seguinte a primeira coisa que faria seria te procurar, mas ainda é cedo para prever algo, minha cabeça lateja o bastante para eu poder me preocupar. Já nem acredito que isso seja causado pelo corte, pois meus pensamentos abarrotam toda a minha cabeça, como um labirinto de dilemas que se propaga me causando uma nostalgia seguida de um breve anseio. Passarei mais uma daquelas noites efusivas que nunca me deixam dormir. Novamente me vem a recordação de como tudo aquilo começou, eu meio que servia de consolo para que você conseguisse esquece-lo. A sensação de ser um tipo de estepe já nem me incomodava mais, porque eu sabia que você logo passaria a gostar de mim, só não imaginava que isso viria com essa amplitude toda. Naquela época você nem tinha o mesmo penteado e eu de fato não sabia absolutamente nada sobre você. Hoje a situação se reverteu, sei absolutamente tudo de você, mas já não consigo mais saber quem eu sou.
(...)
Já é tarde e a minha respiração começa a ficar menos ofegante, imagino que o sono logo me atacará e eu poderei descansar meu corpo, porque minha mente continuará incessante.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Três

A embriagues nunca me atrapalhou a dirigir. Mas dessa vez eu não conseguia, seria suicídio continuar. Eis que resolvo voltar. Já era tarde demais pra continuar e o sono insistia em me atordoar.
(...)
Já é de manhã e eu me deparo com você batendo na janela do carro tentando me acordar, você chora muito e eu não consigo entender porque... Quando finalmente voltei a mim consegui entender o porque de tudo. A colisão no portão da sua casa e esse corte profundo na minha testa conseguiu assustá-la bastante. Eu realmente não sei como fui parar ali, mas a vontade instantânea de rir era maior do que todos os até então problemas causados. Agora sim você tem motivos o bastante para não me entender. Eu caia em gargalhada enquanto sua mãe já acordava e abria a janela do quarto dela. Seus vizinhos começavam a fazer o mesmo e em poucos instantes já havia uma grande aglomeração de curiosos.
(...)
- ...amanhã cedo ele terá alta, o prejuízo maior foi com o carro.
- Mas e quanto ao corte?
- 7 pontos, mas tudo correu bem.
Aos dizer essas palavras o doutor realmente transbordava calma, mas você não conseguia disfarçar sua aflição. Foi a partir desse diálogo que percebi que é realmente necessário recapitular tudo. Estávamos no fundo do poço mas você ainda conseguia gostar de mim. Aonde diabos eu fui deixar a minha consideração por você?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Dois

Pelo meu desgaste físico eu aguentaria passar mais horas nesse bar, mas pelo meu cansaço mental e por seu desinteresse cada vez mais visível, minha renúncia por aquilo tudo só se aproximava... Você já me espera na porta e eu ainda tento convencer o garçom de que aquilo tudo não passou de uma pequena discussão de relação. Chovia fino e o carro já se encontrava coberto por milhares de pingos. Em ocasiões distintas eu te protegeria da chuva, mas dessa vez eu só abro a porta... Você entra no carro e como em todas as outras vezes já abre o porta luvas em busca de qualquer disco só pra não ter que escutar o meu favorito. Por mim poderiamos sair sem ouvir nada, mas sua insistência em não ouvir The Police é maior do que qualquer coisa. O frio no carburador ocasiona um atraso e a sua ansiedade já começava a se tornar uma irritação para nós. Depois de três tentativas finalmente nos locomovemos e veja só a maior surpresa! O disco que estava tocando era o próprio que fora sempre evitado. Procurei por seus olhos e você me respondeu com um sorriso breve. Percebo tudo, desvio meu curso e sigo em direção ao viaduto, nosso velho viaduto de sempre. Encosto o carro e você sai em direção as luzes... Nós passávamos madrugadas inteiras ali. Observando as luzes dos prédios se ascendendo e apagando. O efeito que a chuva causava era incrível, todo aquele asfalto molhado, todas as luzes se refletindo na água. Eu realmente hesitei em te beijar antes, mas o local, a situação e as sirenes não nos dava outra escolha... É notável reparar que passamos horas sem dizer nenhuma palavra e que o som do silêncio já não nos constrange mais... Já era tarde e você realmente precisava descansar... Ainda sem dizer nada nos dirigimos até sua casa. Eram poucas casas dali. Você suspirou quando avistamos sua casa, sem entender eu prossegui. Até que finalmente, ocorre nosso primeiro diálogo:
- Você vem amanhã?
- Não tenho certeza - fitei-a com sinceridade.
Ela não olhou mais para trás. Eu esperei, mais nada aconteceu. Dessa vez fui eu quem troquei o disco. Arranquei o carro... Eu tinha que sair dali. Não adiantava mais fingir. Minha noite ainda não tinha acabado.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Um

Costumava acontecer alguns eventos no porão daquela lanchonete. Não me lembro o bastante, mas me recordo de sempre te ver pelos cantos. Da primeira vez você estava com aquele meu conhecido. Nos nem imaginávamos o que viria a acontecer depois de tudo. Já fazem quase dois anos agora e eu diria que isso é quase uma eternidade. Um tormento... Me lembro de você, porque raios você sempre se vestia de preto? Isso só veio pra me atrair em você... Agora estamos aqui nessa currutela, nesse boteco, com minhas garrafas vazias e seu cinzeiro cada vez mais cheio. Bem, ao menos você fica mais suportável quando fuma... Você não para de mencionar todas as suas aulas e todos os seus trabalhos inacabáveis, enquanto isso eu ainda reluto pra tentar encontrar aquele brilho que havia nos seus olhos. Acredito realmente que estamos acabados, mas da mesma maneira nos encontramos totalmente dependentes um do outro.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Prólogo

Aquele era seu último cigarro e ela ainda tinha a noite inteira pela frente... Queria poder desaparecer, mas assim não chego a lugar nenhum. Continuaríamos então a tentar construir todo nosso caminho de maneira inescrupulosa. Quem precisa de ética numa hora dessas? Alias, pro inferno com toda essa situação. Sairíamos então em busca de um bar sujo qualquer... Só para por poder aquecer um sentimento que só continua arrastado por falta de escolha. Eu realmente não gosto dos seus cigarros, mas felizmente eles realçam seus cabelos curtos. Conseguiria entender cada pensamento seu, sem que você dissesse uma palavra sequer.