quarta-feira, 16 de março de 2011

Dezessete

Durante a viagem de volta Tânia me contou que seu irmão vendia gasolina adulterada e que estava jurado de morte devido a uma grande dívida que fez para pagar uma multa acumulada pela descoberta que a vigilância fez com a mesma gasolina. Contou também que a origem de suas feridas se deu ao fato de ter feito um pedido de desistência para seu irmão ao seu cargo de atendente do restaurante no posto e que queria uma vida nova. Ele respondeu espancando-a e expulsando-a do posto, ou ainda melhor dizendo, abandonando-a em plena rodovia. Apesar de tudo ela não queria procurar a polícia, pois seu irmão era a única família que ela ainda tinha e a melhor saída seria se afastar dele e recomeçar sua vida em outro lugar. Perguntei o que ela fazia além de ter trabalhado no posto e ela me respondeu que quase nada, pois cresceu naquele lugar e que quase nunca ia para as cidades vizinhas, desconhecendo absolutamente muita coisa ao seu redor. Sua educação se dera a única escola rural, mas mesmo assim ela não teve muita escolha ou ambição o bastante para estudar em alguma faculdade ou mesmo montar um próprio negócio.
- Nunca tive melhores oportunidades e sabia que a melhor maneira para me dar bem seria herdando o posto. E você? O que você faz?
- Sou jornalista... Não gosto muito dessa idéia sobre herdar coisas...
Contei para ela um pouco sobre o meu expediente na redação e também sobre o problema que as terras da minha mãe vinham causando em minha desequilibrada família. Naquele instante já estávamos adentrando na cidade.
[...]
Ao chegarmos ao apartamento o quarto de hospedes se encontrava impecável e sobre a cama havia um bilhete de meu pai, dizendo que ocorreu um grande imprevisto e que ele teve de voltar para a fazenda e que voltaria agora apenas para participar do tribunal. Também dizia que contava comigo para depor a favor dele. Meu velho era tão hipócrita que sabia se safar bem de várias situações. Bem, pelo menos agora eu já sabia de tudo e a escolha dependeria só de mim. Guardei o bilhete e disse a Tânia que ela poderia passar uns dias nesse mesmo quarto até encontrar algum emprego e um outro lugar para ficar. Ela deu de ombros e pediu para que tomasse um banho. Mostrei a ela o banheiro, mas ela insistiu que eu fosse junto dela e a ajudasse a se despir, pois aquela roupa que vestia estava machucando-a muito no local do corte. Liguei o chuveiro e a ajudei com seu jeans. Logo depois com sua camiseta de uniforme que agora estava com o sangue totalmente seco, num tom escuro, quase marrom. Me senti meio nauseado ao ver agora o tamanho do corte, mais meu constrangimento foi maior ainda ao abrir seu sutiã. Ela tinha um corpo fantástico e sequer se importou ao ver que eu a observava, tratava tudo aquilo com uma imensa indiferença. Alias, ela não parecia se importar com mais nada, como se toda sua vida já não fizesse mais sentido. Fechei o box e disse que ao sair ela poderia vestir qualquer roupa minha que preferisse e que providenciaria roupas para ela em breve. Ao sair do banheiro conseguia escutar seu choro até o fim do corredor.
Tânia vestiu meu calção vermelho que eu usava para fazer cooper e uma camiseta velha e surrada do Grand Funk Railroad. Disse-me num ar nostálgico que sua mãe sempre ouvia a banda quando ainda era viva e que carregava essa como uma das maiores recordações dela. Tânia parecia agora rejuvenescida uns três ou quatro anos e seus cabelos negros reluziam escorridos sobre seu rosto. Ela estava linda, mesmo estando toda desengonçada em minhas roupas bem maiores que o seu número de manequim. Perguntei sobre seu ombro e ela disse que estava melhor. Eu sabia que ela mentia, mas no outro dia providenciaria alguma enfermeira ou chamaria a Cláudia para que ela desse uma averiguada. Tânia se mostrava sem jeito, mas acabou me perguntando se sabia de algum emprego ou pessoas para que indicasse a ela algum tipo de serviço, pois ela não queria mais me incomodar. Disse para ela que assim que ela melhorasse ela poderia cuidar do apartamento até que encontrássemos algo e que ela não seria nenhum incomodo. Ela concordou sem jeito e disse que precisava de um cigarro.
- Eu não fumo...
- Mas e esse cinzeiro na sala...
- Era de Luiza, nos... – ela percebeu pelos meus olhos, pra variar sempre sou muito previsível.
- Sinto muito. – Tânia forçou um sorriso e perguntou se tinha algo para beber. Resolvi abrir um vinho chileno, fomos para a sacada e por lá passamos a noite. Ela me contou de tudo que se passou em sua infância, de sobre como perdeu a mãe que sofria de leucemia, sobre como seu irmão ambicioso e sobre o fato de nunca ter tido relacionamentos e nenhum namorado, mas por já ter se deitado com alguns rapazes que conhecera no posto de gasolina e que lhe pareciam interessantes. Limitei-me apenas a beber o vinho e escuta-la durante o resto da noite. Já estava me acostumando com ela, que agora já nem se parecia tanto com a Luiza.
Logo de manhã me surpreendi com um delicioso cappuccino preparado por Tânia e também por encontrar a cozinha toda organizada. Isso incluía talheres e pratos limpos e secos, coisa que eu raramente fazia. Mas a maior surpresa da manhã viria pelos correios e agora se encontrava nas mãos de Tânia que trazia um pequeno telegrama. A camiseta do Grand Funk estava com uma pequena mancha recente de sangue no ombro e logo notei que ela se dara devido ao esforço feito por Tânia na cozinha. Não a repreendi, mas tratei de dar alguma satisfação ao pessoal da redação e disse que só iria aparecer por lá no período da tarde. Minha dor de cabeça recendia a ressaca do vinho e pra piorar o conteúdo do telegrama dizia que a audiência ocorreria daqui a duas semanas, na terça-feira.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Dezesseis

Tânia ainda respirava e obviamente iria sobreviver. Era apenas um corte no ombro e algumas escoriações em sua cabeça. Ferimentos dos quais se curaria apenas se limpando e se alimentando bem, mas como não sabia nada sobre onde vivia e nem o paradeiro de sua ainda desconhecida família, seu destino ficaria em minhas mãos. Ela havia perdido muito sangue e eu não sabia se eu deveria levá-la até o posto mais próximo ou voltar para a capital. A próxima cidade ficava a vinte minutos dali e seria mais viável do que voltar para a capital. Tudo para não voltar para aquele inferno. Reclinei o banco de carona para trás e prendi Tânia no cinto de segurança que por sorte prendia seu ombro direito e não o esquerdo onde estava localizado o corte, que agora já parecia bastante estancado. Ao acomodá-la no assento comecei a reparar que seu nariz e seus olhos mesmo fechados se assemelhavam aos de Luiza. Não era neura minha nem nada, de fato ela realmente se parecia com ela, com exceção de seus cabelos que eram mais claros, maiores e num tom de castanho quase loiro.
A cada dez quilômetros rodados eu olhava para Tânia e às vezes verificava se sua respiração se modificava. Comecei a insistir que Tânia era incrivelmente parecida com Luiza. Minha cólera de angústia me cegava a ponto de me deixar conduzir o veículo a uma incrível velocidade de uma forma totalmente equívoca e perigosa. Por sorte a rodovia não apresentava quase nenhum tráfego e o asfalto novo contribuía para que eus deslizasse sem grandes problemas. Por uns segundos me lembrei da minha batida no portão de Luiza e também me lembrei do acidente de Maurício que quase matou Luciana. Por mais estranha que Tânia me parecesse eu sentia que deveria confiar nela e seguir com ela até o hospital. Lembrei-me também do distinto relacionamento que mantinha com Luiza, da maneira incrédula que tratava sua família e de como eu atrasava sua vida. Foi preciso que eu quase me estrepasse com um caminhão em uma ultrapassem na faixa continua beirando os cento e ciquenta por hora para que num choque de realidade eu voltasse a mim e desviasse Luiza mais uma vez de meu pensamento. Em cinco minutos chegaríamos à cidade e Tânia poderia ser finalmente hospitalizada.
Ao avistar a entrada da cidade escutei um sussurro vindo de Tânia, Percebi que ela então despertava e que não conseguia entender como havia chegado ali e tampouco quem eu era.
- Quem diabos é você e para onde está me levando? Se você for amigo do Joel eu já vou te avisando para que me solte e que eu não preciso mais daquele emprego doentio naquele celeiro de caminhoneiros sádicos! – a fúria dela transcendia seus olhos, era assustador.
- Olha não sei se você se lembra de mim, mas fui atendido por você uns dias atrás e ao voltar para minha cidade te encontrei desacordada na rodovia. Não sei quem é Joel e também não sou nenhum caminhoneiro sádico, só estou te levando para o hospital porque achei necessário. Não precisa se preocupar Tânia, tudo vai ficar bem...
- Como sabe meu nome? Não me leve para o hospital, tudo menos isso, me leve para qualquer outro lugar, não posso ser medicada...
Seus olhos brilhavam e agora me passavam uma sensação de piedade que me dava pena. Senti que havia entrado numa grande fria, mas sem pensar mais, confirmei com a cabeça e disse a ela que iríamos para minha casa. Fiz o contorno e voltei para o caminho de casa.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quinze

- Já está acordada Mãe?
- Eu não dormi essa noite, filho. Fiquei apenas te observando e pensando nos anos que desperdiçamos por tudo isso que aconteceu - já não dava pra disfarçar as olheiras de minha Mãe. Notava-se uma pequena dose de nostalgia em seus olhos e ela também não conseguia se mostrar muito feliz. Ficou algum tempo me olhando espreguiçar e levantar:
- Mãe... Eu preciso voltar pra casa. Papai já deve estar dando por minha falta e eu não deixei muito explicito na redação que eu viria pra cá! - depois de uma breve pausa, notei que seria necessário me apressar - Já não sei mais como vou encarar o Papai e nem sei se devo dizer que estive aqui com você e que já sei tudo, ou quase tudo.
Ela permaneceu em silêncio, levantou-se da cama e foi até o frigobar do quarto. Em cima dele havia um bule roxo de café. Ela serviu duas xícaras e me trouxe uma delas dizendo:
- Andei pensando muito essa noite e já sei a solução sobre o que fazer com as nossas terras. - Sem muito espanto eu esperei que ela terminasse seu gole de café e que continuasse dizendo - Você ira depor contra seu pai e eu simplesmente irei transferi-las para seu nome!
Foi ai que meu sobressalto resolveu aparecer. O que eu iria fazer com todos aqueles hectares se eu mal conseguia administrar meu apartamento? Entendo que eu me encontrava em choque por descobrir tantas coisas em uma só noite, mas minha mãe já estava extrapolando...
- Desculpa Mãe, mas eu não tenho interesse nisso. Eu nunca gostei de fazenda, você mesma sabe disso!
- Você não entendeu filho. Com as terras no seu nome seu pai poderá permanecer morando nelas sem atrapalhar minha vida. Além disso, elas são muito valiosas e seria bom que você tivesse uma garantia financeira pro seu futuro. Futuramente você pode vendê-las e quem sabe você não queria abrir seu próprio jornal ou alguma coisa que o valha!
- Mãe, por que você ainda faz tudo isso por ele?
Ao escutar isso sua xícara de café caiu sobre sua camisola queimando sua barriga. As lágrimas de dor se misturaram com as de evidente paixão que ainda restavam pelo Papai. Corri para junto dela para que eu a ajudasse. Era óbvio que eu não devia ter perguntado isso. Busquei uma toalha no banheiro ajudei com que ela se limpasse. Ela foi se trocar e eu resolvi dar uma volta pela cidade para comer alguma coisa e esfriar a cabeça. Meu raciocínio não é muito bom pela manhã e eu precisava dar uma aliviada para pensar muito nesse assunto.
[...]
Logo na saída do hotel me lembrei de que meu carro estava estacionado longe dali e resolvi ir a pé mesmo ao supermercado que fica no logo no outro quarteirão. Eram oito da manhã e o sol quente já castigava toda a cidade. Dirigi-me até a seção da confeitaria e pedi dois pudins. Minha mãe sempre comprava nos sábados de manhã, era um velho hábito que ela tinha antes de ir até a igreja. No caminho até o caixa me deparei com uma figura inesperada:
- Maurício? - ao ouvir minha voz ele colocou num súbito o macarrão que segurava de volta da prateleira.
- Ah, é você... - disse ele com certo desinteresse - ...Como anda meu escritório? Confortável?
- Você só pode estar de brincadeira! O que faz você pensar que eu gosto de estar lá? Eu sou a única pessoa que te apoiaria num momento desses. Eu reconheço bem o que você fez por mim na redação! E o que você faz? Foge com o rabo entre as pernas! E quanto a Luciana?
- Me desculpe por te julgar errado... Como ela está? Eu não queria ter feito aquilo! Mas eu não poderia voltar para a redação... Ei! A Luiza tá fazendo estágio no mesmo jornal que eu!
- Pelo visto não é nem legal a gente continuar essa convera! Cara eu sinto sua falta, a Luciana está quase curada. Não deixe de visitá-la, seja homem!
Maurício me olhou apreensivo e me abraçou. Ele saiu de lá sem se despedir e continuou suas compras. Eu também evitei algum papo furado ou algo me fizesse lembra de Luiza, minha noite já tinha sido complexa demais para algo assim. Na fila do caixa eu peguei mais uns daqueles chocolates de mostruário e me dirigi até o hotel.
[...]
Não quis me despedir de minha Mãe. Pedi para que a camareira entregasse o pudim pra ela junto com um bilhete de despedida que fiz nas costas de um dos cartões de visita do hotel. Abasteci no posto mais próximo e fui para a estrada. O mesmo longo caminho me aguardava. Dessa vez coloquei um disco do Crosby, Stills, Nash and Young, era a banda favorita de minha mãe e minha cabeça realmente pedia por mais lembranças. Depois de uma hora de viagem me aproximei do Posto do Shelton. Me lembrei do quão repugnante era aquele lugar e não resolvi parar. Mais uma vez, tive pena daquela moça chamada Tânia e de tudo aquilo que tinha que agüentar por lá. De repente vejo um corpo de uma mulher estirado no acostamento uns cinqüenta metros depois do posto. Era Tânia! E parecia que ela havia sido atropelada, pois ela estava imersa em uma enorme poça de sangue. Parei o carro e corri até próximo dela.

domingo, 14 de novembro de 2010

Catorze

Décimo quarto andar. Minha mãe sempre quis se hospedar no terraço do hotel, mas como ela nunca dispôe da sorte e a vacância nunca ocorre ela é obrigada a se contentar com o penúltimo andar. O elevador do edifício era muito antigo e pela lentidão nota-se que deve ser de uma liga de metal muito densa e pesada, o que inviabilizava cada vez mais minha ansiedade que já me corroia. Uma súbita sensação de frio na barriga era cada vez mais intensa e eu não tirava da cabeça a idéia de que algo muito bom ocorreria no nosso reencontro. Ao chegar no nono andar um casal entra por engano no elevador. Me perguntam se o mesmo está decendo e eu respondo que não. Os dois se retiram aos beijos e tropeços pois parecia que estavam muito bebados. Logo me passou pela cabeça qual seria a reação que a Luiza teria ao saber que eu iria reencontrar minha mãe. Mas acompanhada dessa ideia veio também a realidade que me dizia que ela jamais conheceria minha mãe. Assim que a sineta indicou a chegada do elevador meu estomago deu um nó, minhas pernas tremiam e eu já começava a ficar com a respiração ofegante. A porta do quarto dela se encontrava entreaberta e tudo indicava que ela assim a deixara para que eu pudessse entrar sem bater. Para evitar o constragimento dei uma leve batidinha:
- Mãe?
A porta se abriu e ela veio de encontro a mim me abraçando. Não deu nem tempo de tentar evitar, minhas lágrimas que já desciam sobre meu rosto incessantemente, assim como as dela. Ficamos abraçados por mais ou menos uns cincos minutos. Aquilo trouxe pra mim um dos melhores sentimentos de minha vida. Todo o amor que ela me passava naquele momento, supria toda a ausência materna que eu senti durante esse tempo longe dela. Foi algo mágico.
- Filho, você já é um homem agora! - ao dizer isso ela fez uma breve pausa e me fitou perguntando - Como soube da minha estadia aqui no país?
- O Papai me disse...
Antes de terminar a frase ela já me soltara do abraço e o condenava.
- O Tadeu não aprende mesmo. No mínimo ele está hospedado na nossa casa também né? Ele nunca se dá ao luxo de se hospedar em um hotel. Não percebe que pode ser um incomodo...
- Ele está no meu apartamento. Pra mim não tem sido um incomodo, a gente mal se fala...
- Você já tem um apartamento! - ela estava incrívelmente empolgada e ao mesmo tempo expressava um leve ar de dúvida - Seu pai me disse que você morava na nossa casa com uma garota que você conheceu no colégio. De onde você está tirando dinheiro para bancar isso?
- Mãe, agora começa a fazer sentido. O pilantra do Papai omitiu tudo, tanto de mim, quanto de você. Você não deve nem fazer idéia de que me formei e que mês passado eu assumi a edição da Postagem Diária né?
Os olhos delas brilhavam e por ele escorriam uma torrente de lágrimas. Eu sempre soube que esse era o jornal favorito da Mamãe e que seria espetácular para ela se soubesse que eu estivesse na redação e quem diria agora, a edição.
- Me diga mãe, o que o Papai falava sobre mim para você? Me diga tudo para que eu possa me orientar. Há oito anos que eu não sei o que é viver em família. Preciso entender o que realmente aconteceu!
- Eu também não tive muito diálogo com seu pai. - Ela fez uma pausa longa, me entreolhou e continuou - Seu pai me dizia que você vivia sempre bebado e que saia com uma mulher mais ou menos da minha idade. Disse também que largou a escola no último ano e que não se interessava por nada e nem por mim...
- Filho da mãe. Ele me dizia que você não ligava para mim e que havia tentado matar a Cecília. Alias eu nunca entendi porque a Cecília palpitava tanto na nossa vida, ela...
- Eu os peguei juntos naquele ano! - minha mãe me abraçou de novo. E dessa vez não iria parar de chorar tão rápido. Cecília era a melhor amiga de minha mãe. Como é que eu nunca desconfiei disso? Meu pai é um bastardo que quase destruiu as nossas vidas! E eu também não passo de um garoto mimado que sempre deixa o ceticismo de lado e me conformo com tudo. Alias é só isso que eu tenho feito, me conformar.
- Eu não fazia nem ideia disso mãe, me desculpe se eu nunca me importei. Meu pai fez uma lavagem cerebral em mim e eu só me preocupava com a faculdade...
- Você fez certo filho, investiu em você. Não fez que nem seu pai que largou tudo para ficar aprodecendo junto com aquela fazenda...
- A fazenda! Porque é que vocês nunca se separaram? A fazenda seria sua por direito e...
- Eu não quero aquelas terras! O coração do Tadeu estão nelas, eu só entrei com o capital. Se nos separarmos as chances de seu pai ficarem com elas são mínimas. E sem elas ele não seria nada. Por mais que tudo isso tenha acontecido eu não lhe desejo mal - ela chorava muito e agora já se encontrava aos prantos.
Não me restava dúvidas. Minha mãe ainda o amava. Continuamos conversando por horas e a cada momento eu ia descobrindo o crapula que meu pai realmente era e o anjo de mãe que eu tinha e não valorizava. Decidi dormir por ali e partir assim que amanhacesse. Não me importei de dormir na poltrona do living. Diversas dúvidas e anseios pipocaram por toda noite em minha cabeça. Já não sabia o que eu faria quando eu encontrasse o Papai. O velho Tadeu conseguiu fazer uma reviravolta na minha vida!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Treze

Sete anos de minha vida destruídos por três e-mails. Todo um conceito gerado em torno de minha mãe foi destruído e toda a minha suspeita sobre meu pai havia sido confirmada. Não bastasse meu pai ter se ausentado em minha formatura! Minha mãe sequer sabia que ela um dia aconteceu. Ela ainda acha que eu sou aquele adolescentezinho desalmado que só queria saber de beber e de matar aulas. Não que a situação tenha mudado tanto, mas eu já tenho meu emprego, meu próprio apartamento e poxa, minha própria vida. Não dependo mais do dinheiro desviado da receita que aquela fazenda maldita gerava. Fazenda da qual meu pai tenta tomar posse nos mesmos sete anos por essa justiça lenta e incompetente desse país. Só não consigo entender porque minha mãe preferiu deixar ele morando por lá enquanto ela mesma se exilou na Europa. Já estou dirigindo há três horas e a noite já começava a cair. Já eram sete horas da noite mas o nosso estranho horário de verão só permitia que o anoitecer caísse agora. Meu medo de que algum problema mecânico pudesse acontecer com o carro já fora dispensado. Eu sempre falava para a Luiza. Tenha um mecânico de confiância. Aqui estou eu, são e salvo e só pretendo parar assim que avistar a cidade.
[...]
Uma pausa naquele restaurante seria crucial. Faltavam apenas uns 120km para que eu chegasse na capital e eu só estava me sustentando pelo marmitex que eu almocei ainda na firma. Por mais que eu odiasse a idéia de ter que digerir aquela comida ruim e cara me dirigi até a instalação. O posto de gasolina do Shelton não passava de uma currutela. O combustível provavelmente deve ser adulterado e como meu tanque ainda está cheio resolvi nem arriscar um novo abastecimento. Na garagem ao lado do posto de conveniência havia uns cinco caminhões de aspectos deploráveis. Dá pra entender que o excesso de carga daqueles caminhões com certeza deixavam as já descuidas rodovias com um aspecto ainda pior. Na porta do estabelecimento se encontrava uma jovem moça que ficava no caixa. Seu aspecto era quase febril. Parecia que nada de interessante ocorria na vida dela e daquele pessoal que por ali habitava. No interior se notava uma meia duzia de mesas com pelo menos metade já ocupadas. Havia umas sete pessoas espalhadas pelo lugar, todas extremamente silenciosas e visivelmente aborrecidas. O cheiro gorduroso da cozinha exalava pelo ar. Preferi me dirigir ao balcão e por ali mesmo fiquei:
- Já sabe o que vai querer?
- Gostaria de batatas fritas e um pouco de arroz com bife. Vocês tem café expresso?
- Temos sim, vai tomando enquanto eu faço seu pedido ali na cozinha... - dizia a moça desviando o olhar.
- ...algum problema se eu souber seu nome?
- Não. É Tânia. Olha vou buscar seu espresso.
A moça me parecia muito assustada e saiu apressada para os fundos. Costumo gostar de saber o nome das pessoas pois geralmente me sinto mais confortável ao conversar com elas. Nesse caso eu vi que não funcionaria e achei melhor nem continuar o papo. A televisão do balcão já exibia a novela das oito e pelo que tudo indicava ninguém nunca assistia aquilo. Tânia me trouxe o café e voltou sem exitar para o caixa. Depois de uns minutos chegava a minha comida e eu insatisfeito me alimentei com aquela comida mal preparada de beira de rodovia. Na saída pedi outro espresso e tive pressa ao pagar. Aquele lugar já estava me dando náuseas. Não conseguia entender porque estava tudo tão calado naquele recinto. Tratei de ir para o carro e me despontar de volta para meu percusso. Faltava pouco mais de uma hora. O trânsito noturno era bem trânquilo, alias, durante todo o tempo não presenciei muita dificuldade no trajeto. Mesmo depois de tanto tempo sem dirigir em alta velocidade ainda conseguia manter tudo sob controle. Coloquei um CD do Nick Cave pra tocar e nem notei que a viagem se encerraria tao rápido. Logo eu já avistava as luzes dos edifícios da metrópole. Era tudo tão imenso e diversificado. Eu sentia até uma vazio por morar em uma cidade tão pequena e pacata. Eram quartenta minutos até o centro da cidade. Minha mãe sempre se hospedava no Hotel Mia Penenberg. Um luxuoso quatro estrelas que tinha uma vista panorâmica sensacional sobre toda a capital. Não seria diferente dessa vez, eu deduzia. O trânsito dali era extremamente mais efusivo e diferente. Não havia sequer local para estacionar nas proximidades do hotel. Tive que me deslocar para um estacionamento a três quadras dali. A cidade estava incrívelmente movimentada naquela fresca noite de sabado. Ao avistar o hotel me recordei de momentos da minha infância onde eu me divertia escorregando pela escadaria do hotel. Minha mãe sempre me repreendia, mas meu pai sempre me apoiava e dava risadas. Logo percebo que meu pai sempre me ganhou com as risadas e seu suposto jeito despreocupado de levar a vida, enquanto a seriedade de minha mãe era deixada de lado. Amargo arrependimento. Na entrada do hotel não se notava muita novidade desde aquela época. Os mesmos estofados de couro figuravam ali na recepção. Acompanhados de vasos chilenos e de pinturas surrealistas nas paredes. Lembro de tudo como se fosse ontem.
- Em que posso serví-lo senhor? Você já possui reserva em algum de nossos quartos? - disse me o jovem recepcionista com uma voz meio rouca e desgastada.
- Estou a procura de Cíntia Velasco.
- Deixe me verificar... Ela está hospedada aqui a apenas quatro dias. Está no quarto 807. Sobre quem devo informá-la sobre a visita?
- Sou filho dela.
Não demorou para que ela atendesse ao seu chamado, o recepcionista confirmou com a cabeça e se despediu.
- Pode subir, o elevador será liberado.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Doze

Minha vontade de reencontrar minha mãe estava deixando qualquer detalhe relevante para mim em segundo plano. Não saberia quando é que eu poderia ir para a capital, afinal, desde que eu assumi a redação não tive mais tempo pra nada. Mesmo com algumas horas extras acumuladas não seria sensato de minha parte me ausentar da firma para reencontrá-la e pra piorar meu chefe já anda meio abalado devido ao coma de Luciana. Realmente só me restava esperar um pouco mais, além disso eu realmente não estou adaptado com essa nova rotina, não posso mais adiar minha reorganização. Pra piorar tenho em minha consciência que esse encontro será incrívelmente forçado.
Meu pai e eu agiamos como colegas de cela. Mal nos falavamos e quando isso acontecia ele só queria me falar coisas sobre futebol e sobre a fazenda. Eu tenho aversão por qualquer tipo de fazendas, sítios e afins. Sei que isso é estranho pois passei grande parte da minha infância na Fazenda Velasco. Meu pai era apaixonado por aquele lugar e ele não podia estar errado agindo dessa maneira. O local é estremamente aconchegante, tem uma criação de gado estupenda, sem contar seus vastos campos. Para muitos seria o melhor refúgio da realidade. Só mesmo esse processo jurídico para poder tirar meu velho de lá. A única coisa que me agrada nisso tudo é que meu apartamento não tem mais aquele aspecto desertico deixado após a partida de Luiza. Pois por mais que não nos falassemos tanto aquela sensação de vazio logo era cessada com sua presença por ali.
[...]
Naquele manhã de sabado não havia muita coisa para se fazer na redação. Já havia editado dois artigos para a edição de domingo e parecia que nada mais de extraordinário aconteceria por ali. O pessoal estava me chamando para um churrasco na casa da Priscila mas eu neguei furtivamente e decidi passar o resto da tarde por ali organizando a sala de Maurício que agora seria meu novo escritório. As minhas caixas já estavam ali há duas semanas e eu nem havia pensado em como organizaria tudo. Depois de algumas horas me restavam apenas duas caixas das sete que eu estava organizando. Meus livros de gramática e meus arquivos mortos com edições anteriores do jornal já estavam todo em suas devidas estantes. Meu velho HP Compaq já estava acomodado em minha mesa que por sinal agora é bem mais espaçosa. Ainda não me adaptei bem com esse lance de notebook, mas não pretendo trocar minhas anotações manuais por isso tão cedo. Me lembro que eu usava ele apenas como tocador de cds e que de vez em quando entrava no mIRC. Na última caixeta só restaram um calendário, uma caixa de clips e a fonte do notebook. Pela primeira vez tive vontade de ligar o PC. Havia seis meses que a redação havia instalado a rede wireless e e eu ainda não tinha testado esse novo recurso. Alias só me lembro de usar isso uma vez na vida em um hotel de Goiânia. Ao ligar, me deparo com uma foto minha e da Luiza na área de trabalho. Foi nesse instante que um sentimento que eu já achava que não existia mais retornou. Senti minhas pernas bambas por uns instantes. Algo que eu só sentia quando eu me reencontrava com ela após nossas primeiras brigas. Dessa vez porém era diferente: não era tão intenso como antes e as possibilidades de uma reconciliação já nem existiam mais. Pra me livrar daquela imagem rapidamente resolvi abrir o navegador e o sistema já me informava a detecção da rede sem fio. Resolvi checar meus e-mails, algo que eu realmente não fazia a muito tempo. Era incrível a velocidade com que o site da BOL carregava com aquela nova conexão da redação. Para minha surpresa haviam oitenta e três e-mails não lidos. A maioria era spam e propragandas de cosméticos, mas os três últimos realmente me instigaram muito. Nem imagino de que maneira minha mãe conseguiu meu endereço de e-mail, mas o título daqueles e-mails realmente me deixaram com náuseas: "Preciso falar com você, filho"; "Urgente, estou indo para o Brasil" e "Seu pai quer um novo processo, kd vc?". Não me passava pela minha cabeça que minha mãe ainda se importava comigo! Em cada mensagem havia mais e mais perguntas sobre meu paradeiro. Me parece que o filho da mae do meu pai omitiu toda a minha vida para ela! E isso vem ocorrendo desde que eu ingressei na faculdade. Se eu soubesse antes o quão cretino meu pai era eu poderia ter evitado toda essa história. Depois de ler os e-mails minha vontade de reencontrá-la estava cada vez maior e eu realmente precisaria me ausentar da redação. Bem, não exitei. Fiz um bilhete informando minha partida e deixei sobre a mesa do chefe. Seriam oito horas de viagem se eu partisse agora. Abasteci o tanque no posto mais próximo da saída da cidade para que eu não perdesse muito tempo. Minha previsão de chegada era para às onze horas da noite. Seria a primeira vez que eu pegaria a estrada depois de quase sete anos.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Onze

Era uma situação meio conturbada, mas logo todos os redatores já estavam familiarizados comigo. Meu trabalho estava redobrado, mas eu nem precisava me preocupar tanto com meus artigos. Luciana ainda estava em coma mas seu estado já era bem melhor. Mauricio realmente deixara a cidade e com muita facilidade conseguiu entrar para outro jornal local. As coisas iam se arrastando bem, cada vez mais Luiza se distanciava de ser uma presença e se tornara cada vez mais uma lembrança apagada. Ainda não tive tempo de ir ao Café do Paulo e nem de ir caminhar, mas mesmo assim não conseguia me esquecer da situação que se passou com a Camila. Eu sentia que algo de grande potencial poderia surgir dali.
Fim de expediente sem nenhum constragimento. Dirigiria até meu apartamento pensando em comprar um novo carro, já que minha promoção me possibilatava novos investimentos. Eis que para minha surpresa um velho carro habitava a vaga ao lado da minha da garagem do prédio. Aquilo me era muito familiar e uma terrível sensação passou pela minha cabeça. Logo na recepção me deparei com a Cláudia e pela primeira vez senti que ela começava a me agourar, pois toda vez que algo ruim acontecia ela estava por perto...
- Não me diga que é o que estou pensando? Seria muita cara de pau!
Cláudia apenas me fitou com um olhar que afirmava minha pergunta. Parecia que dessa vez ela não queria se envolver na história. Subi as escadas e me dirigi até meu apartamento. A porta já estava destrancada, meu televisor já está ligado no noticiário esportivo e algum ruído vinha de meu quarto.
- O que faz aqui Pai?
- Filho! - disse ele em um tom assobrado deixado minhas correspondências cairem.
- O que você pensa que está fazendo?
- Só queria ter certeza que você estava recebendo minhas cartas. Pois já são meses que te escrevo e não recebo respostas. Falando nisso parabéns pela sua promoção, seu sonho está se tornando cada vez mais...
- Pai, o que você realmente faz aqui? -já estava ficando exaltado.
- Filho, eu... sua mãe está de volta ao país.
Meus olhos não acreditavam no que eu acabava de escutar, minhas lágrimas anestesiavam minha euforia ao tentar entender essa notícia. Não sabia se isso era uma coisa boa ou ruim, mas a saudade que eu sentia dela era maior do que qualquer elemento do passado. Meu interior dava pulos de alegria, mas a coisa parecia ser bem diferente com meu pai.
- Ela está hospedada na capital desde quinta e parece que ela não veio para um reconciliação.
- Preciso ir vê-la o quanto antes...
- ...ela não disse que quer te ver. - disse ele me interrompendo. - Ela veio apenas resolver aquelas velhas questões jurídicas. O processo só conseguiu ser aberto agora.
- Como assim ela não quer me ver? Eu preciso vê-la, não é possível que ela não se lembra que tem um filho?
- A questão é que ela se lembrou que já teve um marido.
Meu pai disse isso e se dirigiu ao quartinho de despensa. Ele já tomou a liberdade de se acomodar assim que chegou. Minha cabeça explodia por saber que eu poderia vê-la depois desse tempo todo, mas as notícias que meu pai traziam não eram nem um pouco animadoras.