terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quinze

- Já está acordada Mãe?
- Eu não dormi essa noite, filho. Fiquei apenas te observando e pensando nos anos que desperdiçamos por tudo isso que aconteceu - já não dava pra disfarçar as olheiras de minha Mãe. Notava-se uma pequena dose de nostalgia em seus olhos e ela também não conseguia se mostrar muito feliz. Ficou algum tempo me olhando espreguiçar e levantar:
- Mãe... Eu preciso voltar pra casa. Papai já deve estar dando por minha falta e eu não deixei muito explicito na redação que eu viria pra cá! - depois de uma breve pausa, notei que seria necessário me apressar - Já não sei mais como vou encarar o Papai e nem sei se devo dizer que estive aqui com você e que já sei tudo, ou quase tudo.
Ela permaneceu em silêncio, levantou-se da cama e foi até o frigobar do quarto. Em cima dele havia um bule roxo de café. Ela serviu duas xícaras e me trouxe uma delas dizendo:
- Andei pensando muito essa noite e já sei a solução sobre o que fazer com as nossas terras. - Sem muito espanto eu esperei que ela terminasse seu gole de café e que continuasse dizendo - Você ira depor contra seu pai e eu simplesmente irei transferi-las para seu nome!
Foi ai que meu sobressalto resolveu aparecer. O que eu iria fazer com todos aqueles hectares se eu mal conseguia administrar meu apartamento? Entendo que eu me encontrava em choque por descobrir tantas coisas em uma só noite, mas minha mãe já estava extrapolando...
- Desculpa Mãe, mas eu não tenho interesse nisso. Eu nunca gostei de fazenda, você mesma sabe disso!
- Você não entendeu filho. Com as terras no seu nome seu pai poderá permanecer morando nelas sem atrapalhar minha vida. Além disso, elas são muito valiosas e seria bom que você tivesse uma garantia financeira pro seu futuro. Futuramente você pode vendê-las e quem sabe você não queria abrir seu próprio jornal ou alguma coisa que o valha!
- Mãe, por que você ainda faz tudo isso por ele?
Ao escutar isso sua xícara de café caiu sobre sua camisola queimando sua barriga. As lágrimas de dor se misturaram com as de evidente paixão que ainda restavam pelo Papai. Corri para junto dela para que eu a ajudasse. Era óbvio que eu não devia ter perguntado isso. Busquei uma toalha no banheiro ajudei com que ela se limpasse. Ela foi se trocar e eu resolvi dar uma volta pela cidade para comer alguma coisa e esfriar a cabeça. Meu raciocínio não é muito bom pela manhã e eu precisava dar uma aliviada para pensar muito nesse assunto.
[...]
Logo na saída do hotel me lembrei de que meu carro estava estacionado longe dali e resolvi ir a pé mesmo ao supermercado que fica no logo no outro quarteirão. Eram oito da manhã e o sol quente já castigava toda a cidade. Dirigi-me até a seção da confeitaria e pedi dois pudins. Minha mãe sempre comprava nos sábados de manhã, era um velho hábito que ela tinha antes de ir até a igreja. No caminho até o caixa me deparei com uma figura inesperada:
- Maurício? - ao ouvir minha voz ele colocou num súbito o macarrão que segurava de volta da prateleira.
- Ah, é você... - disse ele com certo desinteresse - ...Como anda meu escritório? Confortável?
- Você só pode estar de brincadeira! O que faz você pensar que eu gosto de estar lá? Eu sou a única pessoa que te apoiaria num momento desses. Eu reconheço bem o que você fez por mim na redação! E o que você faz? Foge com o rabo entre as pernas! E quanto a Luciana?
- Me desculpe por te julgar errado... Como ela está? Eu não queria ter feito aquilo! Mas eu não poderia voltar para a redação... Ei! A Luiza tá fazendo estágio no mesmo jornal que eu!
- Pelo visto não é nem legal a gente continuar essa convera! Cara eu sinto sua falta, a Luciana está quase curada. Não deixe de visitá-la, seja homem!
Maurício me olhou apreensivo e me abraçou. Ele saiu de lá sem se despedir e continuou suas compras. Eu também evitei algum papo furado ou algo me fizesse lembra de Luiza, minha noite já tinha sido complexa demais para algo assim. Na fila do caixa eu peguei mais uns daqueles chocolates de mostruário e me dirigi até o hotel.
[...]
Não quis me despedir de minha Mãe. Pedi para que a camareira entregasse o pudim pra ela junto com um bilhete de despedida que fiz nas costas de um dos cartões de visita do hotel. Abasteci no posto mais próximo e fui para a estrada. O mesmo longo caminho me aguardava. Dessa vez coloquei um disco do Crosby, Stills, Nash and Young, era a banda favorita de minha mãe e minha cabeça realmente pedia por mais lembranças. Depois de uma hora de viagem me aproximei do Posto do Shelton. Me lembrei do quão repugnante era aquele lugar e não resolvi parar. Mais uma vez, tive pena daquela moça chamada Tânia e de tudo aquilo que tinha que agüentar por lá. De repente vejo um corpo de uma mulher estirado no acostamento uns cinqüenta metros depois do posto. Era Tânia! E parecia que ela havia sido atropelada, pois ela estava imersa em uma enorme poça de sangue. Parei o carro e corri até próximo dela.