quarta-feira, 16 de março de 2011

Dezessete

Durante a viagem de volta Tânia me contou que seu irmão vendia gasolina adulterada e que estava jurado de morte devido a uma grande dívida que fez para pagar uma multa acumulada pela descoberta que a vigilância fez com a mesma gasolina. Contou também que a origem de suas feridas se deu ao fato de ter feito um pedido de desistência para seu irmão ao seu cargo de atendente do restaurante no posto e que queria uma vida nova. Ele respondeu espancando-a e expulsando-a do posto, ou ainda melhor dizendo, abandonando-a em plena rodovia. Apesar de tudo ela não queria procurar a polícia, pois seu irmão era a única família que ela ainda tinha e a melhor saída seria se afastar dele e recomeçar sua vida em outro lugar. Perguntei o que ela fazia além de ter trabalhado no posto e ela me respondeu que quase nada, pois cresceu naquele lugar e que quase nunca ia para as cidades vizinhas, desconhecendo absolutamente muita coisa ao seu redor. Sua educação se dera a única escola rural, mas mesmo assim ela não teve muita escolha ou ambição o bastante para estudar em alguma faculdade ou mesmo montar um próprio negócio.
- Nunca tive melhores oportunidades e sabia que a melhor maneira para me dar bem seria herdando o posto. E você? O que você faz?
- Sou jornalista... Não gosto muito dessa idéia sobre herdar coisas...
Contei para ela um pouco sobre o meu expediente na redação e também sobre o problema que as terras da minha mãe vinham causando em minha desequilibrada família. Naquele instante já estávamos adentrando na cidade.
[...]
Ao chegarmos ao apartamento o quarto de hospedes se encontrava impecável e sobre a cama havia um bilhete de meu pai, dizendo que ocorreu um grande imprevisto e que ele teve de voltar para a fazenda e que voltaria agora apenas para participar do tribunal. Também dizia que contava comigo para depor a favor dele. Meu velho era tão hipócrita que sabia se safar bem de várias situações. Bem, pelo menos agora eu já sabia de tudo e a escolha dependeria só de mim. Guardei o bilhete e disse a Tânia que ela poderia passar uns dias nesse mesmo quarto até encontrar algum emprego e um outro lugar para ficar. Ela deu de ombros e pediu para que tomasse um banho. Mostrei a ela o banheiro, mas ela insistiu que eu fosse junto dela e a ajudasse a se despir, pois aquela roupa que vestia estava machucando-a muito no local do corte. Liguei o chuveiro e a ajudei com seu jeans. Logo depois com sua camiseta de uniforme que agora estava com o sangue totalmente seco, num tom escuro, quase marrom. Me senti meio nauseado ao ver agora o tamanho do corte, mais meu constrangimento foi maior ainda ao abrir seu sutiã. Ela tinha um corpo fantástico e sequer se importou ao ver que eu a observava, tratava tudo aquilo com uma imensa indiferença. Alias, ela não parecia se importar com mais nada, como se toda sua vida já não fizesse mais sentido. Fechei o box e disse que ao sair ela poderia vestir qualquer roupa minha que preferisse e que providenciaria roupas para ela em breve. Ao sair do banheiro conseguia escutar seu choro até o fim do corredor.
Tânia vestiu meu calção vermelho que eu usava para fazer cooper e uma camiseta velha e surrada do Grand Funk Railroad. Disse-me num ar nostálgico que sua mãe sempre ouvia a banda quando ainda era viva e que carregava essa como uma das maiores recordações dela. Tânia parecia agora rejuvenescida uns três ou quatro anos e seus cabelos negros reluziam escorridos sobre seu rosto. Ela estava linda, mesmo estando toda desengonçada em minhas roupas bem maiores que o seu número de manequim. Perguntei sobre seu ombro e ela disse que estava melhor. Eu sabia que ela mentia, mas no outro dia providenciaria alguma enfermeira ou chamaria a Cláudia para que ela desse uma averiguada. Tânia se mostrava sem jeito, mas acabou me perguntando se sabia de algum emprego ou pessoas para que indicasse a ela algum tipo de serviço, pois ela não queria mais me incomodar. Disse para ela que assim que ela melhorasse ela poderia cuidar do apartamento até que encontrássemos algo e que ela não seria nenhum incomodo. Ela concordou sem jeito e disse que precisava de um cigarro.
- Eu não fumo...
- Mas e esse cinzeiro na sala...
- Era de Luiza, nos... – ela percebeu pelos meus olhos, pra variar sempre sou muito previsível.
- Sinto muito. – Tânia forçou um sorriso e perguntou se tinha algo para beber. Resolvi abrir um vinho chileno, fomos para a sacada e por lá passamos a noite. Ela me contou de tudo que se passou em sua infância, de sobre como perdeu a mãe que sofria de leucemia, sobre como seu irmão ambicioso e sobre o fato de nunca ter tido relacionamentos e nenhum namorado, mas por já ter se deitado com alguns rapazes que conhecera no posto de gasolina e que lhe pareciam interessantes. Limitei-me apenas a beber o vinho e escuta-la durante o resto da noite. Já estava me acostumando com ela, que agora já nem se parecia tanto com a Luiza.
Logo de manhã me surpreendi com um delicioso cappuccino preparado por Tânia e também por encontrar a cozinha toda organizada. Isso incluía talheres e pratos limpos e secos, coisa que eu raramente fazia. Mas a maior surpresa da manhã viria pelos correios e agora se encontrava nas mãos de Tânia que trazia um pequeno telegrama. A camiseta do Grand Funk estava com uma pequena mancha recente de sangue no ombro e logo notei que ela se dara devido ao esforço feito por Tânia na cozinha. Não a repreendi, mas tratei de dar alguma satisfação ao pessoal da redação e disse que só iria aparecer por lá no período da tarde. Minha dor de cabeça recendia a ressaca do vinho e pra piorar o conteúdo do telegrama dizia que a audiência ocorreria daqui a duas semanas, na terça-feira.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Dezesseis

Tânia ainda respirava e obviamente iria sobreviver. Era apenas um corte no ombro e algumas escoriações em sua cabeça. Ferimentos dos quais se curaria apenas se limpando e se alimentando bem, mas como não sabia nada sobre onde vivia e nem o paradeiro de sua ainda desconhecida família, seu destino ficaria em minhas mãos. Ela havia perdido muito sangue e eu não sabia se eu deveria levá-la até o posto mais próximo ou voltar para a capital. A próxima cidade ficava a vinte minutos dali e seria mais viável do que voltar para a capital. Tudo para não voltar para aquele inferno. Reclinei o banco de carona para trás e prendi Tânia no cinto de segurança que por sorte prendia seu ombro direito e não o esquerdo onde estava localizado o corte, que agora já parecia bastante estancado. Ao acomodá-la no assento comecei a reparar que seu nariz e seus olhos mesmo fechados se assemelhavam aos de Luiza. Não era neura minha nem nada, de fato ela realmente se parecia com ela, com exceção de seus cabelos que eram mais claros, maiores e num tom de castanho quase loiro.
A cada dez quilômetros rodados eu olhava para Tânia e às vezes verificava se sua respiração se modificava. Comecei a insistir que Tânia era incrivelmente parecida com Luiza. Minha cólera de angústia me cegava a ponto de me deixar conduzir o veículo a uma incrível velocidade de uma forma totalmente equívoca e perigosa. Por sorte a rodovia não apresentava quase nenhum tráfego e o asfalto novo contribuía para que eus deslizasse sem grandes problemas. Por uns segundos me lembrei da minha batida no portão de Luiza e também me lembrei do acidente de Maurício que quase matou Luciana. Por mais estranha que Tânia me parecesse eu sentia que deveria confiar nela e seguir com ela até o hospital. Lembrei-me também do distinto relacionamento que mantinha com Luiza, da maneira incrédula que tratava sua família e de como eu atrasava sua vida. Foi preciso que eu quase me estrepasse com um caminhão em uma ultrapassem na faixa continua beirando os cento e ciquenta por hora para que num choque de realidade eu voltasse a mim e desviasse Luiza mais uma vez de meu pensamento. Em cinco minutos chegaríamos à cidade e Tânia poderia ser finalmente hospitalizada.
Ao avistar a entrada da cidade escutei um sussurro vindo de Tânia, Percebi que ela então despertava e que não conseguia entender como havia chegado ali e tampouco quem eu era.
- Quem diabos é você e para onde está me levando? Se você for amigo do Joel eu já vou te avisando para que me solte e que eu não preciso mais daquele emprego doentio naquele celeiro de caminhoneiros sádicos! – a fúria dela transcendia seus olhos, era assustador.
- Olha não sei se você se lembra de mim, mas fui atendido por você uns dias atrás e ao voltar para minha cidade te encontrei desacordada na rodovia. Não sei quem é Joel e também não sou nenhum caminhoneiro sádico, só estou te levando para o hospital porque achei necessário. Não precisa se preocupar Tânia, tudo vai ficar bem...
- Como sabe meu nome? Não me leve para o hospital, tudo menos isso, me leve para qualquer outro lugar, não posso ser medicada...
Seus olhos brilhavam e agora me passavam uma sensação de piedade que me dava pena. Senti que havia entrado numa grande fria, mas sem pensar mais, confirmei com a cabeça e disse a ela que iríamos para minha casa. Fiz o contorno e voltei para o caminho de casa.